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MPF aciona Incra e União por demora na demarcação de terras quilombolas no oeste da Bahia.

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Comunidades de Fazenda Grande, Cipó e Boa Vista do Pixaim sofrem com morosidade para titulação e com ameaças e atos violentos em disputas pelas suas terras

O Ministério Público Federal (MPF) moveu três ações contra a União e o Incra – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – em função da morosidade e da omissão para conclusão de processos de demarcação e titulação dos territórios das comunidades quilombolas de Fazenda Grande, Cipó e Boa Vista do Pixaim, localizadas no município de Muquém do São Francisco, no oeste da Bahia.

A última ação foi proposta nesta terça-feira, 12 de maio. Para o MPF, as terras reivindicadas são das comunidades por direito, e a demora na conclusão dos processos pelo Incra acirra as disputas protagonizadas por fazendeiros da região, em prejuízo dos quilombolas.

Omissão e morosidade ameaçam integridade – De acordo com o MPF, o Incra vem, sucessivamente, se omitindo no seu dever legal de promover a identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras reivindicadas, alegando falta de recursos. Os quilombolas de Fazenda Grande, Cipó e Boa Vista do Pixaim aguardam, respectivamente, há 12 anos, 4 anos e 11 anos a conclusão dos trabalhos pelo instituto.

Para o procurador da República Rafael Guimarães Nogueira, que atua nos casos, “a União e o Incra têm adotado o comportamento ilícito de protelar as demarcações e, além disso, têm se omitido em adotar providências efetivas para proteger a posse já existente, posse que é direito de qualquer cidadão brasileiro, independentemente do procedimento demarcatório”.

De acordo com o MPF, a omissão do Incra representa lesão à integridade da posse e da propriedade do grupo tradicional, pois a falta da delimitação das terras tem submetido as comunidades a um constante cenário de receio e vulnerabilidade, com ações intimidatórias, invasivas e de violência contra os seus integrantes por particulares que se autoproclamam possuidores ou proprietários das terras.

“A comunidade é composta de pessoas humildes, com pouco estudo e recursos financeiros, situação que lhes confere vulnerabilidade especial. Acaso se tratassem de fazendeiros, certamente já teriam cercado toda área por eles ocupada e manejado ação de usucapião para titulação. Não é o caso. São pessoas que utilizam a área comunitariamente, sem cercas integrais, o que traz grande vulnerabilidade para os seus limites territoriais e possibilita reiteradas investidas ilícitas dos vizinhos.”, afirma o procurador em uma das ações.

De acordo com a Constituição Brasileira, “aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos” (art. 68). Passados 32 anos de sua promulgação, conforme dados oficiais relatados em documentos publicados pelo próprio Inca, apenas 127 títulos foram expedidos pelo órgão até o fim de 2018, apesar de haverem 1.749 processos de regularização abertos até o fim de 2019*.

Comunidade Quilombola Fazenda Grande – composta de cerca de 180 famílias, com 785 membros que vivem em 140 casas, a comunidade reivindica o reconhecimento e a titulação de uma área de 20 mil hectares, da qual exerce a posse tradicional há mais de 300 anos. Apesar disso, atualmente os quilombolas estão limitados a um território de cerca de 300 hectares, em função da invasão e apropriação de suas terras tradicionais por um fazendeiro local.

Certificada como remanescente de quilombola pela Fundação Cultural Palmares em 2007, a comunidade de Fazenda Grande teve seu processo de demarcação instaurado no Incra em 2008. O Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID*) da comunidade foi finalizado desde 2017, não tendo sido analisado pelo órgão para sua publicação oficial e conclusão da demarcação das terras até o momento. Já são 12 anos de espera pelo título das terras, desde que o Incra deu início ao processo.

Comunidade Quilombola Cipó – com 32 famílias e 200 membros, que vivem em 26 casas, juntos exerciam a posse de uma área de aproximadamente 836 hectares há mais de um século. A comunidade foi certificada como remanescente de quilombola em 2016, mesmo ano em que foi aberto o processo administrativo de regularização fundiária junto ao Incra.

O MPF apurou que, desde 2004 a comunidade vem sofrendo ameaças, com parte de seu território tendo sido invadido e vendido a terceiros com o apoio de familiares de político da região. Na ocasião, buscaram auxílio do Estado da Bahia e da União, sem sucesso, apesar de uma parte do território da comunidade ser oficialmente de propriedade da União.

As investidas violentas seguiram, com a derrubada de cercas onde a comunidade criava pequenos rebanhos e com o corte de árvores na área, atos que reduziram ainda mais seu espaço e meios de sustento, vivendo atualmente a comunidade às margens da BR242. Após quatro anos de espera, o processo ainda está em fase de abertura no Incra, sem previsão de início da elaboração do RTID*.

Comunidade Boa Vista do Pixaim – constituída por 320 famílias, com 1.100 membros, a comunidade ocupa 17 mil hectares há mais de 400 anos, tendo sido certificada como quilombola em 2007. Desde 2009 tramita no Incra o processo de regularização das terras, tendo órgão concluído o RTID, e voltado atrás. Em março de 2017, o Incra publicou edital com extrato do RTID já aprovado por comitê interno. Um mês depois, o superintendente do próprio Incra na Bahia tornou sem efeito a aprovação interna do documento, dando um passo atrás na conclusão da demarcação das terras, que não avançou para as próximas etapas desde então, arrastando o processo por 11 anos.

Segundo apuração feita pelo MPF, há documentos que comprovam a posse das terras da comunidade há mais de 40 anos, a partir da concessão de glebas por antiga família de fazendeiros, “tempo suficiente inclusive para sua conversão em propriedade por usucapião”.

Em 2013, a comunidade passou a ser ameaçada e constrangida por Jayme Oliveira do Amor, empresário de agropecuária da região apontado como mandante da destruição de cercas, plantações, apropriação de fontes de água usadas pela comunidade e cerceamento do uso das terras, com a circulação de seguranças armados para constranger os quilombolas. Jayme ainda é o responsável pela criação de gado confinado nas proximidades das casas quilombolas, prática que resulta na produção excessiva e nociva de poeira, causando problemas respiratórios graves em integrantes da comunidade.

Jayme, que também responde à ação do MPF junto com a Patrimonial Nossa Senhora do Socorro LTDA., já foi preso em 2014 pela Polícia Civil, junto com dois de seus funcionários, a partir de operação de busca e apreensão que localizou diversas armas de fogo de alto calibre usadas nas investidas contra os quilombolas. Em audiência pública realizada pelos Ministérios Públicos Federal e Estadual em 2019, os quilombolas relataram que as ameaças continuam sendo feitas. Para o MPF, a comunidade encontra-se desassistida pelos poderes públicos, com inúmeras ocorrências de turbação da posse de suas terras, qualificadas por ameaças e constrangimentos a seus integrantes, o que torna urgente a adoção de medidas da Justiça que cooperem com sua proteção.

Pedidos liminares – Na ação a favor da Comunidade Cipó, o MPF requer medida liminar que fixe prazo máximo de um ano para a elaboração, conclusão e efetiva publicação do RTID; fixação de marcos e placas indicativas dos limites da área tradicional; sob pena de multa diária de pelo menos R$10 mil. Na ação a favor da Comunidade Boa Vista do Tupim, também requer medida liminar que determine a fixação de marcos e placas nos limites das terras da comunidade sob pena de multa de R$10 mil por dia, além de determinar à Jayme Oliveira do Amor e à Patrimonial Nossa Senhora do Socorro que se abstenham de turbar e esbulhar a posse das terras quilombolas.

Pedidos finais – Nas três ações, o MPF requer a condenação da União e do Incra na obrigação de adotar todas as providências administrativas necessárias à conclusão dos processos administrativos de titulação e demarcação das comunidades remanescentes de quilombos, seguindo as etapas formais para conclusão do processo até a efetiva publicação de portarias reconhecendo e declarando os limites de cada uma das terras quilombolas. Requer, ainda, a fixação de marcos e placas indicativas dos limites das áreas das comunidades.

*O que é o RTID? De acordo com o Incra, o RTID é o resultado dos trabalhos realizados para identificar e delimitar o território quilombola reivindicado pelos remanescentes das comunidades dos quilombos. O RTID aborda informações cartográficas, fundiárias, agronômicas, ecológicas, geográficas, socioeconômicas, históricas e antropológicas, obtidas em campo e junto a instituições públicas e privadas.

Confira a íntegra das ações ajuizadas pelo MPF e respectivos números para consulta processual na Justiça Federal (PJ-e):

ACP a favor da Comunidade Quilombola Fazenda Grande, proposta em 12/05/2020 – 1002530-76.2020.4.01.3303

ACP a favor da Comunidade Quilombola Cipó, proposta em 24/03/2020 – 1001781-59.2020.4.01.3303

ACP a favor da Comunidade Quilombola Boa Vista do Pixaim, proposta em 21/11/2019 – 1004783-71.2019.4.01.3303

*Os dados relativos a processos em andamento e concluídos no Incra foram obtidos nos documentos acessíveis em: http://www.incra.gov.br/sites/default/files/incra-processosabertos-quilombolas-v2.pdf e http://www.incra.gov.br/sites/default/files/incra-andamentoprocessos-quilombolas_quadrogeral.pdf (acessados pela última vez em 15/05/2020).

Assessoria de Comunicação
Ministério Público Federal na Bahia

Fonte: MPF

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