MPF denuncia desembargadora do TJ-BA por vender primeira sentença de caso da Faroeste

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O Ministério Público Federal (MPF) apresentou uma nova denúncia ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) contra investigados na Operação Faroeste. Na nova denúncia, o MPF ataca a primeira decisão supostamente vendida em 2013 pela desembargadora Maria da Graça Osório Leal para favorecer o esquema perpetrado pelo falso cônsul da Guiné Bissau, Adailton Maturino. Na petição, o MPF pede condenação por crime continuado de compra e venda de sentenças de Maria da Graça Osório, Karla Janayna Leal, Adailton Maturino e o produtor Dirceu Di Domenico. As penas podem varias de dois a 12 anos de prisão, com pagamento de multa.

A denúncia é assinada pela procuradora da República Lindôra Araújo. Ela narra que o esquema começou em setembro de 2013, através de uma antecipação dos efeitos recursais, em liminar, no bojo de uma apelação relatada pela desembargadora Maria da Graça Osório. Na decisão, a desembargadora, que chegou a ser candidata a presidente do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) em 2019, determinou a abertura de 17 matrículas que só seria possível após o trânsito em julgado. Segundo Lindôra, a decisão não foi apenas ilegal, como também absurda. “Foi uma decisão encomendada, isto é, um ato de corrupção”, diz na denúncia.

A procuradora lembra que o borracheiro José Valter Dias e a esposa, Ildenir Gonçalves Dias, firmaram acordos com diversas partes para regularizar as terras no oeste baiano, dentre eles um com uma indústria de algodão que tratava de uma área de 43 mil hectares. Após a homologação do acordo, o casal pediu ao cartório de Formosa do Rio Preto o desmembramento da Matrícula 1037 e a abertura de dezoito matrículas no local. Entre os interessados estava o produtor agrícola Dirce Di Domenico, pois ele teria adquirido uma parcela de terras dentro da Fazenda São José, que estava registrada sob a matrícula 1037. O interesse de Dirceu era sair da condição de arrendatário para proprietário das terras que já explorava economicamente.

Quando o delegatário de Formosa do Rio Preto recebeu o requerimento para desmembrar as matrículas, recorreu à Justiça local para sanar a dúvida. Tais fatos aconteceram no final do ano de 2012. Em janeiro de 2013, foi proferida uma sentença não autorizando o desmembramento das matrículas, pois não estava previsto no acordo.  Em abril de 2013, o casal apresentou uma interpelação para mudar a decisão. No mês de maio, a apelação foi distribuída para desembargadora Lisbete Teixeira. Mas em julho, o casal pediu a distribuição para a desembargadora Maria da Graça Osório, sob o argumento que o caso estava conectado a outro processo de objetos em comum. Em agosto do mesmo ano, José Valter e Ildenir pediram antecipação dos efeitos da tutela para determinar que o cartório abrisse as novas matrículas. Foi nessa época em que o advogado João Novaes ingressou no caso.

A denúncia sustenta que, entre julho e novembro de 2013, a desembargadora Maria da Graça, de “modo consciente e voluntário”, com ajuda da sobrinha Karla Janayna, “solicitou, aceitou promessa e recebeu vantagem indevida” para proferir a decisão, que alcançou o valor total de R$ 1,4 milhão. O pagamento da propina era feito por Adailton e pela esposa, Geciane Maturino.

Na narrativa, o MPF diz que após o pedido no TJ-BA, os denunciados começaram a pedir redistribuição dos processos para sair da relatoria da desembargadora Lisbete Teixeira para ser encaminhado para Maria da Graça Osório. Segundo o Parquet, foi com essa decisão que o grupo abriu “as portas para o ato de corrupção engendrado”. Somente entre julho de 2013 e abril de 2014, foram registradas 54 ligações entre Maria da Graça e Adailton. Um dos contatos foi feito um dia após a decisão favorável aos interesses da família de José Valter Dias. Nos meses seguintes, os contatos telefônicos entre a desembargadora e o falso cônsul se intensificaram, sendo 27 em apenas 60 dias. Em julho de 2018, quando foi instada a se manifestar, Maria da Graça afirmou que o vínculo com Adailton era por conta da mãe dele, “uma senhora que fazia orações”. “É que ela rezava muito por mim. Era uma senhora muito religiosa e que adoeceu. E ele, assim, uma pessoa que, se você tem uma doença, então, ele tem médicos que conhece, entendeu?”, disse no depoimento. Mas o MPF não constatou ligações telefônicas entre ela e a mãe de Adailton. Já Adailton, quando foi preso em novembro de 2019, sendo questionado sobre o vínculo com a desembargadora, disse que não a conhecia. Em uma das ligações registradas, o MPF observou que Adailton e Maria da Graça estavam próximos, na região do bairro Costa Azul, em Salvador, onde a desembargadora reside. A denúncia aponta que Maturino frequentava a casa da desembargadora. O porteiro do edifício disse que chegou a ver o falso cônsul duas ou três vezes no local.

A operadora de Maria da Graça no esquema seria a sobrinha Karla Janayna. O MPF constatou a existência de depósitos recebidos por Karla no mesmo período em que os saques foram realizados nas contas de Adailton e Geciane. Para Lindôra Araújo, há um “padrão de comportamento” consistente em saques de valores elevados pelo casal Maturino e, logo em seguida, depósitos por Karla. O dinheiro que o casal operava seria injetado pelo produtor Dirceu Di Domenico. Em julho de 2013, ele sacou R$ 1,2 milhão. Dirceu confirmou à autoridade policial que possuía negócios com Adailton, especificamente processos judicias. Ele chegou a declarar que Maturino pedia os valores para pagar custas e advogados. Dirceu arcaria com o percentual de 10% para explorar a soja da área com os valores sendo pagos a Maturino, em um valor estimado por ano de R$ 500 mil. Ele também tinha autorização para explorar algodão em outra região, pagando R$ 400 mil por ano para o casal Maturino. Dirceu é sócio-presidente da Coobahia, que chegou a movimentar, entre janeiro de 2013 a fevereiro de 2019, o montante de R$ 41,5 milhões. Em 2019, Dirceu transferiu para a JJF Holding, empresa dos Maturinos, R$ 1 milhão. O produtor realizou outras transferências para Geciane Maturino.

O Ministério Público detalha as datas em que eram realizados os saques e depósitos. Os períodos coincidem com momentos antes da prolação da primeira sentença favorável aos propósitos de Maturino. No dia 17 de outubro de 2013, o juízo de piso negou o pedido de indisponibilidade de desmembramento das matrículas. E no mesmo dia, Adailton ligou para Maria da Graça. Com isso, ela determinou a suspensão da apelação sob o argumento de que a decisão do juiz prejudicava a análise do recurso. De acordo com o MPF, dessa forma, a desembargadora “criou o cenário ideal”: os processos ficaram suspensos, com uma situação de imutabilidade do que decidiu, mantendo assim os interesses do grupo criminoso, com desmembramento da matrícula 1037.

Em uma interceptação telefônica, um servidor do TJ-BA revela preocupação naquela época com investigação contra autoridades do Poder Judiciário por venda de sentenças. Tempos depois, Maria da Graça começou a se declarar suspeita “por motivo de foro íntimo” para atuar no caso. O esquema, conforme diz o órgão acusador, transformou o borracheiro em “um dos maiores latifundiários do país”, com patrimônio que poderia superar o valor de R$ 1 bilhão. Um relatório da Unidade de Inteligência Financeira (UIF), antigo Coaf, detectou movimentações suspeitas dos Maturinos na ordem de R$ 61 milhões, com medidas típicas de lavagem de dinheiro. Para manter o esquema, Adailton pagaria autoridades para que no futuro cobrasse a dívida. Os valores eram pagos através de mesadas e agrados.

Fonte:Bahia Notícias

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